A nova fronteira do consumo: como a Argentina virou um Hub Logístico premium e desafia o Brasil
- Bia Rodrigues Carvalho
- 16 de jul.
- 4 min de leitura
Desde 2023, a Argentina vem implementando uma série de reformas econômicas e fiscais profundas sob o comando do presidente Javier Milei, com foco em liberalização comercial, redução do aparato estatal e estímulo à competitividade internacional.

Entre as medidas mais impactantes está a eliminação de tarifas de importação sobre produtos eletrônicos, o que transformou o país em um novo polo de consumo regional, e está redesenhando fluxos logísticos na América do Sul.
Enquanto isso, o Brasil mantém uma estrutura tributária complexa, burocrática e desestimulante, principalmente para o comércio exterior e cadeias logísticas de alto valor agregado.
Neste artigo, analisamos tecnicamente os impactos dessa assimetria para empresas brasileiras e o que os profissionais de logística devem observar para se adaptar ou explorar esse novo cenário.
1. O QUE A ARGENTINA ESTÁ FAZENDO
▸ Abertura comercial como política de estado
Em maio de 2025, o governo argentino reduziu pela metade o imposto de importação sobre celulares, TVs e condicionadores de ar, passando de 16% para 8%, com previsão de zerar completamente essas tarifas em janeiro de 2026. Além disso, tributos internos (como o IVA aplicado a produtos importados) foram reduzidos em até 50%.
📌 Resultado: iPhones, MacBooks e outros eletrônicos passaram a custar entre 15% e 30% menos que no Brasil, atraindo consumidores de toda a região.
▸ Objetivo: posicionar a Argentina como hub de consumo e redistribuição
Essa estratégia não é apenas para atrair turistas. O governo visa consolidar a Argentina como um hub de distribuição sul-americano, atraindo fábricas, centros logísticos e integradores globais. Samsung e Xiaomi já estão em negociações para ampliar operações no país.
2. O QUE O BRASIL NÃO ESTÁ FAZENDO
▸ Custo Brasil e ineficiência sistêmica
O Brasil permanece com um dos custos logísticos mais altos do mundo, representando cerca de 12% a 13% do PIB, enquanto a média mundial está em torno de 8% (IBGE / BNDES, 2024). Esse custo elevado se deve a:
Sistema tributário regressivo e instável (ICMS, IPI, PIS/Cofins);
Infraestrutura logística precária (portos, ferrovias e rodovias saturadas);
Burocracia alfandegária ineficiente (tempo médio para liberação é o dobro do padrão OCDE);
Falta de incentivos à indústria e à inovação logística.
▸ Instabilidade política e falta de visão estratégica
O atual governo federal tem adotado medidas de controle estatal, aumento de gastos públicos e insegurança jurídica, afastando investimentos e desacelerando reformas estruturantes como a tributária e a administrativa. Enquanto a Argentina sinaliza estabilidade pró-mercado, o Brasil afasta players globais com regras confusas e ambiente hostil.
3. IMPACTOS PARA EMPRESAS BRASILEIRAS – ESPECIALMENTE NA LOGÍSTICA
▸ Concorrência assimétrica na importação
Empresas brasileiras que operam com importação de bens de consumo duráveis estão em desvantagem. Se um revendedor argentino consegue importar com tarifa zero e logística simplificada, ele pode redistribuir para consumidores finais ou até mesmo exportar para países vizinhos com margens maiores que as empresas nacionais conseguem.
▸ Redesenho das cadeias de suprimentos
Grandes players globais começam a considerar a Argentina como base de armazenagem e distribuição. Isso afeta:
Operadores logísticos (3PLs e 4PLs);
Distribuidores e centros de fulfillment;
Transportadoras de alto valor agregado;
Empresas de e-commerce que dependem de eletrônicos e tecnologia.
▸ Pressão sobre transportadoras e logística reversa
O aumento de compras de brasileiros em solo argentino gera pressão operacional na tríplice fronteira (Uruguaiana, Foz do Iguaçu e Barracão). Transportadoras veem aumento de demanda informal, ao passo que operações logísticas formais sofrem com fiscalização, congestionamentos e instabilidade regulatória.
4. OPORTUNIDADES E ADAPTAÇÕES PARA PROFISSIONAIS E EMPRESAS DE LOGÍSTICA
📍 Atenção à geolocalização de hubs: empresas devem reavaliar seus pontos de armazenagem e considerar novos polos estratégicos — especialmente próximos à fronteira Sul.
📍 Serviços logísticos transfronteiriços: crescerá a demanda por serviços especializados em importação facilitada, transporte documentado, seguro internacional e rastreabilidade.
📍 Logística para turismo de compras: transporte executivo, lockers e entregas “pick-up” se tornam serviços com demanda crescente para pessoas físicas e microempreendedores.
📍 Parcerias estratégicas com players argentinos: integração de plataformas logísticas e alianças comerciais podem garantir acesso a produtos mais baratos e serviços de última milha competitivos.
5. O EFEITO DOMINÓ NA AMÉRICA LATINA
Chile, Peru e Uruguai já estudam políticas semelhantes para não perder competitividade regional.
A América Latina tende a criar zonas francas descentralizadas, pressionando o Brasil a rever seu modelo de incentivos centralizados (ex: ZFM em Manaus).
A indústria brasileira pode perder escala, caso as montadoras e fabricantes migrem para ambientes mais liberais.
CONCLUSÃO: NÃO É SÓ SOBRE IPHONE, É SOBRE SOBREVIVÊNCIA LOGÍSTICA
A Argentina não está vendendo celulares mais baratos: está reposicionando sua economia no tabuleiro geopolítico da América do Sul. Para o Brasil, e especialmente para quem trabalha com logística, o alerta está dado. Negócios que dependem de competitividade em prazo, custo e operação precisam se adaptar agora. A ineficiência do governo brasileiro, somada à falta de visão estratégica em infraestrutura e tributação, está colocando empresas nacionais em desvantagem real.
Logística não é mais só uma área operacional, é uma questão geopolítica.
Pelo andar das coisas, vamos precisar trabalhar o triplo, e sempre com muita Logística.
Grande abraço,